ROYALTIES: (in)eficiência, (in)justiça, (in)segurança
O racional econômico dessa compensação financeira decorre das externalidades negativas das atividades de produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluídos. Aos impactos ambientais e à finitude da atividade extrativista soma-se um conjunto de fenômenos econômicos que podem levar à desindustrialização (a conhecida "doença holandesa"). Royalties prestavam-se a internalizar tais custos que a "mão invisível" do mercado não é capaz de alocar aos seus agentes causadores. Seu fundamento era, portanto, de justiça comutativa.
Ao alterar a lei 9.478/97 e cassar os vetos da presidenta Dilma Roussef, o Congresso Nacional não apenas rompeu com a tradição no rateio dos royalties, concebendo-os agora como instrumento de justiça distributiva. Inaugurou, ademais, novo capítulo do colapso federativo, o qual, a exemplo da "guerra fiscal" e da "guerra dos portos", se pode batizar de "guerra dos royalties". Como as outras controvérsias políticas, a guerra dos royalties, mesmo durante as tão aguardadas novas rodadas de licitação promovidas pela ANP, vem sendo largamente judicializada perante o órgão incumbido de dar a última palavra sobre o pacto federativo no Brasil, o Supremo Tribunal Federal - STF.
Na guerra dos royalties, a principal intentada judicial até o momento baqueou os propósitos do legislativo federal. Relatora da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposta pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, a ministra Cármem Lúcia Rocha deferiu liminarmente a cautelar acostada asseverando que "a questão tem seriedade própria dos grandes temas federativos". O argumento central do remédio constitucional foi o de que a questão federativa originária estabelece, adicionalmente à compensação financeira decorrente dos royalties, exceção à regra geral acerca do regime de ICMS sobre operações interestaduais com o petróleo, deslocando a sua incidência do estado de origem para o estado de destino da mercadoria.
Aos olhos da lei, esse e os outros argumentos jurídicos construídos pelo governo do Rio e pelos demais impetrantes das outras Adins - até o momento, os governos do Estado de São Paulo e do Espírito Santo, além da mesa diretora da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - não passarão isentos de questionamentos. A problematicidade ínsita ao direito impõe que todos os lados sejam ouvidos, e muitas vezes argumentos razoáveis reciprocamente se repelem. Por exemplo, a modificação das receitas financeiras dos entes federativos, se introduz insegurança jurídica no planejamento dos estados produtores, não parece, à primeira vista, violar cláusula pétrea, consistindo em matéria passível de reforma via emenda constitucional - a qual, entretanto, não foi editada para o caso dos royalties.
Ainda na perspectiva da insegurança jurídica, vem à discussão medida retroativa e impactante nos direitos adquiridos. Nesse contexto, os contratos já firmados tendem a ser qualificados como atos jurídicos perfeitos em relação às cláusulas de rateio dos royalties e, por consequência, atributivas de um crédito adquirido pelos Estados e municípios beneficiários. Embora a jurisprudência recente se incline por reconhecer à lei efeito imediato e geral, declarando não existir "direito adquirido a regime jurídico", a situação dos royalties é diversa, considerando-se a natureza contratual dos direitos envolvidos. Será lembrado, todavia, que os contratos de concessão, geradores da cobrança de royalties, têm apenas duas partes: a ANP e o concessionário. Os entes federativos são, no máximo, terceiros beneficiários, de um dos tantos recursos originados do contrato.
Sob outro argumento, os royalties distribuídos com base na redação anterior da lei ensejaram apenas a discussão sobre a disponibilidade financeira daqueles entes que perderão parte de sua receita já prevista nas leis orçamentárias. Escapando à definição de direito adquirido, mudanças de rumo que fogem ao controle do administrador público nem por isso são ilegais. No caso dos royalties, tais mudanças eram previsíveis e poderiam mesmo ser "provisionadas", já que dependiam de decisões parlamentares previamente anunciadas.
No exercício do planejamento orçamentário, haverá ainda, a tendência de se compensar a perda de receita dos royalties por meio da criação ou majoração de encargos, por exemplo, tributários, os quais poderão, no entanto, originar outras externalidades negativas para o próprio ente criador ou majorador do encargo, rendendo novos desdobramentos para o lapso federativo...
E mesmo a natureza compensatória dos royalties não passará incólume na ponderação dos argumentos suscitados. Os danos ambientais, por exemplo, se podem estar concentrados em um único ente produtor, são passíveis, por outro lado, de ressarcimento mediante outras ferramentas legais que, a despeito dos royalties, internalizam tais custos na figura do poluidor-pagador.
A par das tecnicalidades o STF tenderá a ser sensível a outros domínios. Afinal, entre a possibilidade de os números finais da produção petrolífera representarem muito para quem perde e pouco para quem ganha, a nova regulação dos royalties correrá o risco de, além de ser ineficiente por deixar de corrigir falha de mercado em Estados e municípios produtores, ser injusta, por não compensar custos indiretos, nem distribuir riqueza relevante. E a instabilidade institucional, provocada pela judicialização da guerra dos royalties, poderá atravancar investimentos fundamentais para o desenvolvimento nacional.
Artigo de: Leonardo Miranda, publicado no jornal 'Valor Econômico' (31/05 e 01 e 02/06). O autor é sócio da área de Petróleo&Gás do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.
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