TERRAS DEVOLUTAS: TRADIÇÃO CAIÇARA

Hoje participei de uma reunião livre na Rua da Praia em São Sebastião em que na pauta estava a união das Comunidades e famílias tradicionais para o resgate da cultura caiçara, luta por direitos e o uso da terra. Não foi objetivamente tratado hoje essa questão das terras devolutas, mas o tema é inescapável. Mas, compreendi que os desafios são ainda maiores.

Gravei uma bate papo com o Evaldo Pereira, que explicou o tom da prosa. Mas, sobre o caso das Terras Devolutas ele detalhará melhor oportunamente. Porém, sobre o zoneamento apresentado pelo Gerco (Gerenciamento Costeiro), do z4 em diante, ele entende que abre flancos perigosos ao interesse da preservação ambiental, franqueia uma desenfreada especulação imobiliária, propicia um cenário de degradação urbana e deixa vulnerável as famílias tradicionais.

Em artigo contundente escrito na pág. 03 da revista imóveis no Litoral, sob o título "Revisão do Zoneamento Ecológico Econômico do Litoral Norte", o advogado Marcos Lopes Couto, Mestre em Direito Ambiental e ex-conselheiro do Consema, também ex-secretário de Meio Ambiente de Caraguatatuba, também subiu o tom em relação a forma como o Estado tratou a região ao estabelecer o ZEE e o Gerco. 

Pedi um Parecer ao Mestre em Direito e professor Universitário, Eduardo Hipólito, ex-secretário de Meio Ambiente do Município, que tem um reconhecido histórico de luta e debate nas causas socioambientais da região, especialmente. Estou aberto para conhecer outras opiniões, inclusive reclamo uma Manifestação oficial da Prefeitura de São Sebastião.

Terras Devolutas
Hipólito, que também tem um Parecer importante em relação ao ZEE e ao Gerco (Leia -aqui-) chama o caso das Terras Devolutas por "aberração jurídica", tendo se originado numa Ação Discriminatória nos anos 30. De tão antigo, diz ele, tem uma petição do Dr. Manoel Hyppolito do Rego, seu tio avô, que na época advogava para vários Caiçaras e para as terras da família. Isto porque, em uma dessas Discriminatórias (que pegava a cidade toda), ele apresentou documentos que atestavam a propriedade da Fazenda Santana e Fazenda Limeira, herança dos pais dele e de seus irmãos na ocasião.

Ele enfatiza: "Durante muitos anos, quando a ação saiu de 1ª. Instância e foi para o TJ/SP, ele buscou verificar quem tinha título de propriedade e posse no município, dentro de um perímetro determinado. Essa que prosperou e deu toda essa confusão, diz respeito à um perímetro que ia do Centro à Costa Sul.

Em um dado momento, diz ele, alguém chamado Dr Lorena, perito, entregou um Laudo equivocado e donde gerou toda sorte de problema, especialmente por ter sido acatado pela Justiça. Hipólito simplifica a explicação e chama de tosca a técnica usada, dizendo que o perito fincou uma agulha no mapa sobre a igrejinha de Maresias e com a régua abriu 6 km em meia lua para o lado do continente, e assim ficou definido o perímetro das Terras Devolutas.

"Uma pequena parcela de proprietários escapou porque conseguiu provar a origem de seus documentos ao longo do processo. Mas pense, quantos Caiçaras ou possuidores de priscas eras, gente simples que foi herdando terras e posses, que nunca viram um pedaço de papel na frente, ficaram de fora desse processo", ponderou.

Ele acrescenta: "O Ministério Público, enquanto fiscal da lei, entende que, se um imóvel estiver dentro do malfadado, mal feito perímetro, ele faz parte das terras devolutas. Terras devolutas são públicas. Terras públicas são imprescritíveis (não são passíveis de apossamento ou propriedade por parte de ninguém a não ser o Poder Público). Está na Constituição Federal. Via de consequência, ações de usucapião, dentro desse limite primariamente definido, são todas julgadas improcedentes em 1ª. Instância. Não interessa se há uma família de boa fé, que herdou suas terras de outra mais antiga ainda (posse mansa, pacífica, sem oposição de ninguém), ou que exista um bairro inteiro no lugar, com comércio, serviços, infraestrutura, enfim.

"Felizmente, vários julgados em 2ª Instância reconheceram esse absurdo, e advogados (como eu) já conseguiram reverter a decisão do juiz local. Agora, além de ter que vencer o MP e o Juiz, a Procuradoria do Estado (a quem, em tese, as terras devolutas devem ser patrimoniadas) abriu mão da briga e jogou a batata para o Município. Isso fez com que o juiz local mandasse a Prefeitura se manifestar (em vários casos, por uma segunda vez). E mesmo tendo desistido do imóvel, por reconhecer que havia justo título possessório, agora a Prefeitura está se manifestando com interesse nas áreas", detalha Hipólito.

Em outro trecho, demonstra: "A Secretaria de Assuntos Jurídicos na gestão anterior era comandada pelo Dr. Marcelo Luís, que tinha discernimento suficiente para separar o joio do trigo. Um advogado cuja família é da região e conhece bem nossa realidade. Fazia o simples: o cidadão entrou com usucapião, a Prefeitura analisa e vê se aquele local é estratégico para obras públicas, se é do interesse contestar a ação. Se não é, se manifesta e acabou". 

Tese de Defesa e Luta por Direito
Considerações finais do Parecer

"Entendo que essa decisão, essa sentença que demarcou as terras devolutas, tem vícios formais e materiais. Como é uma decisão transitada em julgado, penso que a única forma de resolver esse problema de vez é uma Ação Rescisória. De acordo com o art. 966 do novo CPC, “a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...)VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; ou VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.”

Hipólito, em arrazoado crítico, entende haver fatos novos e erros de fato naquela ação discriminatória. Ele crê inclusive que está aí algo que alguns dos advogados interessados no assunto poderiam se debruçar. Seria uma ação longa, mas que dependendo da destreza na condução, poderia produzir efeitos imediatos. Essa é a saída de luta que ele sugere. Há outra, menos traumática talvez.

Esta é a de deixar que em sede de apelação, no Tribunal de Justiça, se busque reverter as decisões de 1ª Instância, atualmente baseadas num Laudo Pericial questionável e que ignora a realidade de bairros consolidados, mas é a menos simpática em seu entendimento. Hipólito considera um desperdício de tempo e dinheiro, em desfavor de várias pessoas que tem suas posses justas, dignas, de longa data e boa-fé. Detalhe: em terras que não interessam ao Poder Público...

Hipólito se diz pronto para qualquer debate acerca do assunto, e outros advogados tem participado ativamente deste debate.

Portas abertas às opiniões, convergentes e divergentes
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21h48min.    -     adelsonpimentarafael@gmail.com

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