PINHEIRINHO, A ESTRATÉGIA DA TENSÃO
Num conflito
sempre há alguém que joga com a carta da tensão. Ele ganha quando
ocorrem choques, prisões, feridos e incêndios. Na operação militar que
desalojou 1.600 famílias da área ocupada do Pinheirinho, em São José dos
Campos, ganhou quem jogou na tensão. Conseguiram mobilizar 1.800
PMs, numa operação que resultou em dois dias de choques, no desabrigo de
duas mil pessoas, dez veículos destruídos, quatro propriedades
incendiadas e 34 presos. A gleba foi invadida em 2004 e está
avaliada em R$ 180 milhões. É o caso de se perguntar o que poderia ter
sido feito ao longo de sete anos para evitar que o maior beneficiado
pelo espetáculo fosse a massa falida de uma empresa do financista Naji
Nahas, que deve R$ 17 milhões à prefeitura. Intitulando-se líder
dos moradores, está no elenco Valdir Martins, o Marron, candidato a
deputado estadual pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, o
PSTU, residente em Vila Interlagos e diretor do Sindicato dos
Metalúrgicos local, como representante dos trabalhadores de uma empresa
que não existe mais.
Pelo lado do poder público, o elenco inclui o
governador Geraldo Alckmin, em cujo primeiro governo ocorreu a invasão,
e o prefeito Eduardo Cury, que está no cargo desde 2005. Ambos são do
PSDB. Em 2008, o advogado André Albuquerque, fundador da empresa
paranaense Terra Nova, especializada em regularização fundiária, foi
convidado para estudar o caso de Pinheirinho. Ele resolveu 18 litígios,
legalizando lotes de dez mil famílias, das quais duas mil já têm
escritura. Sua metodologia é simples. A Terra Nova negocia um
valor aceitável com o proprietário da gleba e os moradores, vai ao juiz
que está com processo de reintegração da posse e homologa o acordo. Retirado o obstáculo que impede obras de infraestrutura na área, a
empresa apresenta um projeto de urbanização à prefeitura. O
proprietário recebe seu dinheiro num prazo que vai de cinco a dez anos, e
os moradores pagam prestações mensais que, na média, custam R$ 200. Em
Pinheirinho, o lote poderia valer entre R$ 3 mil e R$ 6 mil, com
prestações de R$ 60 a R$ 100 por dez anos. Jamais um dono de lote perdeu
a casa por falta de pagamento.
Marron ouviu a proposta e informou
que seu movimento não aceita negociar indenização, muito menos
pagamento. O outro caminho seria o da desapropriação, pelo Ministério
das Cidades, mera promessa da Viúva Federal. Nada feito. Uma reunião
posterior foi boicotada pelos representantes dos moradores. Há poucas
semanas, diante da ameaça de uso da força policial, apareceu uma milícia
de fancaria, com escudos de latão e perneiras de PVC. Deu no que deu. Deu
no que deu porque os organizadores do PSTU, o governo de São Paulo e a
prefeitura de São José aceitaram a estratégia da tensão. O governo da
doutora Dilma achou que o caso podia esperar e, depois do conflito,
fantasiou-se de São Jorge para matar o dragão que já havia devorado a
princesa. Desde 2008, enquanto o caldeirão de Pinheirinho ficava
em fogo brando, a Terra Nova de André Albuquerque resolveu quatro
litígios fundiários urbanos. Três em São Paulo (Casa Branca, Jardim
Conquista e 1 de Maio) e um no Paraná (Vila Nova, em Matinhos). Segundo
ele, mais de 1.500 famílias foram beneficiadas, sem polícia.
Elio Gaspari,
Publicado originalmente em "O Globo" e "Folha"
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